Nasce Eduardo Michelis, marcado pela Providência
“A Providência o tocou, concedeu-lhe o dom especial de vivenciar, contagiar e legar a tantas outras vidas uma profunda fé e confiança em Deus providente, e imprimir uma característica especial à fé nesta Providência Divina que marcou a sua vida, a sua obra e toda uma Congregação de vidas consagradas que o sopro do Espírito Santo esparramou pelo mundo a fora”.
O dia 6 de fevereiro de 1813 marca o nascimento do pequeno Eduardo Michelis. Criança que já nasce com desígnios especiais, reservados pela Providência de Deus. Nasce em São Maurício, na periferia de Münster, Alemanha. O quinto entre oito filhos do casal João Maria Francisco Michelis e Auguste Schaffer. Eduardo, ao nascer, é acolhido com grande alegria e com muito carinho por seus pais e seus irmãos mais velhos.
Três dias após o nascimento, Eduardo foi batizado com o nome de Miguel Francisco Augusto Eduardo Michelis. A igreja e a pia batismal que serviram de testemunho na acolhida de Eduardo na Igreja ainda existem e são um memorial para toda pessoa que se encanta com sua história de vida. Aí se abriu a porta da fé para um escolhido especial de Deus, um apóstolo apaixonado pela Igreja de Cristo, um cristão marcado pela Providência Divina, com profunda piedade, defensor do direito e da justiça, homem de Deus com missão determinante.
A Família de Eduardo Michelis
O espaço de vida familiar de Eduardo constitui um ambiente favorável para crescer como pessoa situada na sua realidade, no tempo: meio familiar simples onde vigora o respeito mútuo, onde se partilha os fatos e acontecimentos, onde, economicamente, se luta pela vida, sobretudo, onde os valores cristãos são norteadores, permitindo a liberdade religiosa na vivência da fé.
“Em sua família, no meio rural, próximo da cidade, Eduardo cresceu em meio aos sete irmãos e irmãs, num ambiente marcado pelo espírito do dever, pela cultura e arte, pela religiosidade de duas confissões cristãs: a católica do pai e dos cinco filhos, e evangélica luterana, da mãe e das três filhas”. Eduardo aprendeu a viver e conviver ecumenicamente, desde a mais tenra idade, na própria família.
Esta experiência familiar não privou Eduardo das dúvidas e crises religiosas normais de sua infância. Mais tarde, fazendo sua prece a Deus, ele se expressa assim no seu Diário: “Como criança, encontrei-me em perigo de ficar longe de Tua Igreja, isto é, longe de Ti. Mas, delicada e suavemente, Tu me conduziste e me firmaste na fé, deste-me Tua paz e me fizeste saborear o Teu amor”.
Eduardo desenvolveu sua religiosidade ao natural ainda criança e na adolescência. Deus agia em sua alma de forma admirável. Era a Providência que o conduzia por um caminho que se foi revelando sempre mais. Eduardo manifesta em seu ser e atitudes muito amor e grande intimidade para com Deus e Maria, sua Mãe. Quantas vezes, só Deus o sabe, Eduardo dava uma escapada para a Igreja São Lamberto, no centro de Münster, seja no seu caminho de volta da Escola ou em horas de lazer, onde se ajoelhava compenetrado diante do Sacrário e, junto à Imagem de Nossa Senhora, acendia uma vela e fazia a sua prece filial!
“De seu pai Eduardo herdou grande talento para as artes e as ciências; da mãe, o pendor poético e a nobreza de sentimentos.” Com especial interesse escutava as narrações do pai sobre grandes personalidades e fatos da História que calavam fundo na sua alma infantil. “Os livros de História da biblioteca de seu pai eram fonte de conhecimento e entusiasmo”. Eduardo, no meio familiar, vivia uma liberdade responsável, colocando sólidas bases em sua personalidade.
Sua visão de mundo, sentindo-se solidário e, ao mesmo tempo, comprometido com a Igreja – Povo de Deus, Eduardo o expressa, por exemplo, no fato de com treze anos de idade sentar-se e escrever uma carta para o Governador, intercedendo pela liberdade da Igreja.
A morte prematura de seu pai, em maio de 1835, deixou a mãe com os seus filhos, em parte ainda menores, numa situação econômica muito difícil. Era, no entanto, mulher forte com grande coração. Manteve-se serena na luta pela vida dos filhos, em meio a toda uma insegurança.
Eduardo estudante, amigo dos livros e comprometido com a realidade da época
“Não se estudava somente para cumprir uma tarefa, não se decorava a lição para passar no exame, mas, havia uma ânsia profunda de aprender sempre mais”.
A soma de dons e talentos incomuns, unida à sua dedicação incansável e caráter de boas relações, formam em Eduardo uma personalidade com visão de mundo sem fronteiras e uma profundidade extraordinária de vida, onde o Mistério da Providência Divina age e o futuro dará sua resposta.
Eduardo aprendeu com seu pai, que era professor de Desenho no Colégio Paulinum, a Escola de mais alto conceito da Cidade de Münster, que seria em breve a escola de Eduardo mesmo, a alegria de estudar e o interesse pela formação.
Tendo alcançado seus treze anos de idade, Eduardo foi matriculado. Aí frequentou o Ginásio, fazendo cada série em meio ano. Após ter feito oito classes em seis anos, neste Colégio, submeteu-se ao exame chamado “Abitur”, que lhe abriu a entrada para o Ensino Superior. Eduardo teve grandes sonhos: continuar os estudos e seguir, depois, para o Doutorado, atuando como Docente em uma Universidade, onde poderia ser um formador da religiosidade do povo cristão e, sobretudo, formador do próprio clero que orienta e anima a Igreja, o Povo de Deus.
Na Escola, Eduardo foi à alegria dos mestres e o orgulho de seus pais e irmãos. Com seu caráter alegre incentivava os colegas da classe para o estudo e para tomada de iniciativas. Demonstrava uma maturidade precoce com uma enorme compreensão de mundo. O ambiente intelectual-cultural de Münster muito contribuiu para a formação global do jovem estudante. Em horários extraescolares existiam círculos, onde se discutiam, em serões noturnos, os grandes temas da época: questões da Religião, Filosofia, Literatura, Arte, Poesia. Eduardo participava entusiasmado desses debates.
Nas salas de aula, Eduardo era perguntador, interessado e refletia em silêncio
compenetrado sobre os assuntos que ouvira ou lera.
O Certificado de conclusão dos estudos de Eduardo no Paulinum atesta, além do bom aproveitamento, a vastidão da abrangência de matérias do currículo escolar que este estudante Michelis tem na sua bagagem de estudo: em latim e grego, ótimos resultados; na língua hebraica, boa compreensão das passagens menos difíceis dos livros históricos do Novo Testamento e segurança gramatical; na língua alemã caracteriza-se pela boa correção, clareza e objetividade; em ótimos conhecimentos na literatura alemã; conceitos muito bons em Matemática e Física, bem como na História Antiga e Moderna; demonstra igualmente muito bom conhecimento das verdades do cristianismo e da doutrina da Igreja.
Eduardo descobre sua vocação
“Desde a juventude, só nutria o desejo de dedicar-se inteiramente ao serviço da Igreja como presbítero”.
A vocação nascida desde a existência da pessoa humana, nasce e cresce em cada pessoa como dom do amor de Deus. À medida que nos damos conta deste projeto de amor em nossa vida, desperta o desejo de busca-lo sempre mais e assim discernir a vocação recebida.
Eduardo ao longo de sua vida cultiva uma grande sede de Deus. Desde criança sente-se atraído pelas coisas de Deus, sente um profundo amor pela Igreja e pela causa do Reino com o desejo de colocar em prática a vontade Dele. Como todo jovem, na fase da adolescência começa a se perguntar: “O que Deus quer de mim? Qual a minha vocação?”. Perguntas que surgem na mente e no coração da pessoa que realmente ama a Deus e o busca com todo o coração. Essas perguntas o fizeram dar passos. Não sabemos ao certo, como reagiram seus pais com o seu desejo de servir totalmente a Deus, mas, podemos imaginar que se alegraram e o apoiaram. O pai católico deve ter sentido uma grande alegria e a mãe, mesmo sendo de outra religião, foi à pessoa que mais o apoiou ao longo de sua vida. Viam em Eduardo ainda criança gestos de delicadeza, pureza de alma e sensibilidade de coração.
Quem conviveu com Eduardo percebeu nitidamente o desejo dele de se tornar sacerdote. Seu irmão Frederico fala o seguinte da sua decisão: “O zelo pela Igreja como que o predestinava desde muito cedo, sem coação externa, mas por um impulso interior, para o caminho do sacerdócio. Desde a juventude, só nutria o desejo de dedicar-se inteiramente ao serviço da Igreja como presbítero”. Eduardo depois de discernir e tomar a decisão vocacional com clareza da vontade de Deus em sua vida, não hesitou mais, fixou os olhos no Mestre e buscou segui-lo com todo o seu coração e com toda sua alma.
Na descoberta de nossa vocação percebemos que ela só tem sentido na medida em que se doa aos irmãos e irmãs. Essa é a riqueza e a certeza da felicidade. Uma vida doada, partilhada é uma vida capaz de sair de si, portanto, feliz. Eduardo tinha vários sonhos e queria verdadeiramente alcançá-los.
Ele esperava ansiosamente sua ordenação. Quem descobre um grande amor, não tem medo de entregar-se totalmente a Ele. O que jamais imaginou era que Deus lhe reservava uma árdua missão. Para sua surpresa, o futuro Arcebispo de Colônia, escolheu Eduardo para ser seu capelão e secretário particular. Eduardo argumentou, pois, sentia-se muito jovem e sem experiência. A decisão lhe foi muito difícil, mas, por fim optou em fazer a vontade de Deus e abriu mão dos seus projetos pessoais. Sua ordenação foi antecipada em três meses para que assumisse sua missão. E No dia 06 de abril de 1836, o jovem Eduardo passou a se chamar Padre Eduardo Michelis.
Eduardo, o jovem poeta
“Estarei a louvar o Senhor, nada quero senão seu amor”.
Eduardo como jovem sonhador, idealista e amante da arte usa o dom da poesia para expressar o que alimentava o coração, os sentimentos mais nobres de sua alma e as causas às quais deseja dedicar a sua vida. Ele escreve: “Estarei a louvar o Senhor, nada quero senão seu amor”.
“Seus temas de preferência versavam sobre a natureza, a amizade, a pátria, o ideal, a melancolia do Infinito. Revelava o que no momento povoava o seu interior, a transcendência, a saudade de Deus, o amor à Igreja, a profunda e terna devoção a Maria”.
Eduardo coloca vida em sua poesia, porque são pautadas por experiências profundas que ele próprio viveu. Ele coloca no papel a forma como Deus manifestou-se em sua vida. Ele usava a poesia para escrever de forma mais discreta os seus sentimentos mais profundos. Sentimentos esses, que partilhava com pessoas amigas que o compreendiam e que comungavam seus ideais. Confiou a certo amigo: “Sabes da minha grande necessidade de expressar tudo o que penso e sinto”.
Eduardo, já como criança e jovem tinha uma grande devoção a Mãe Maria. Um de seus poemas mais lindos é o “O servo de Maria desde a juventude” que segue abaixo:
Ó Maria!
Sempre foste em minha vida,
Tão bondosa, tão querida,
Que nem sei como te amar!
Quando eu era pequenino,
Com sorrisos tão divinos,
Junto a mim te vi velar.
E mais tarde, novamente
Eu te via, tão contente,
Como estrela de esperança.
Tua glória eu celebrava,
Belos hinos te entoava,
Com amor e confiança.
Nem jamais me deleitava
No que a terra me ofertava:
Tudo pó e só vaidade!
Mas eu sempre achava encanto
Em teu puro amor, tão santo,
Em te amar-Que suavidade!
Circundada de fulgores,
Com celestes esplendores,
Eu te vi, Mãe divinal.
Vi um anjo que falava,
Gabriel que te anunciava
A mensagem celestial.
Outra vez, quase em receio,
Eu te vi, num santo enleio,
Abraçar a Deus Menino.
E Jesus a ti sorria,
Com ardor correspondias-
Oh, que idílio tão divino!
E por fim, ao pé da cruz,
Eu te vi junto a Jesus,
No martírio seu de amor.
Eu te vi tão dolorosa,
Com as faces lacrimosas,
E num mar sem fim de dor!
Doce Mãe, fonte de amor,
Quão bendita tua dor,
Que ajudou a me remir.
Com o teu divino olhar,
Qual estrela matinal,
Queiras sempre me assistir.
O que sou tenho-o de ti!
Mesmo Deus o recebi
De tuas mãos tão liberais.
Já te amava, Mãe celeste,
Mas, porque Jesus me deste,
Hei de amar-te ainda mais
Eduardo, Sacerdote zeloso e apaixonado por sua vocação
“Eduardo era um presbítero apaixonado pela Igreja, incapaz de antepor qualquer outra atividade aos seus trabalhos apostólicos”.
Assumiu seu sacerdócio com profunda convicção de fé, uma opção tomada em definitivo pelo Reino de Jesus Cristo. “Pôs a mão no arado e não olhou mais para trás”. Apaixonou-se por um grande Amor, Jesus Cristo e dedicou toda a sua vida a concretizar com entusiasmo e paixão sua vocação. Entendeu e viveu seu sacerdócio como um prolongamento da missão de Cristo. Reconheceu como São Paulo: “A caridade de Cristo nos impele”. Por esta missão Eduardo renunciou aos seus sonhos pessoais, já no início do seu sacerdócio: o sonho de continuar os estudos e formar-se um docente de Teologia, para ajudar na formação do clero e do povo cristão; acolheu, no lugar deste sonho, a missão que a Providência lhe pediu através do recém-nomeado Arcebispo de Colônia, de ser o seu secretário particular.
Como presbítero, o coração de Eduardo bateu apaixonadamente pela Igreja de Jesus Cristo. “[…] o que mais sinto é a pressão que pesa sobre a Igreja. Por que permites, Senhor, seja tão atribulada aquela que tu amas? Eis que também eu a amo – por isso coloca sobre mim parte de seu sofrimento […]” Empenhava-se incansavelmente pela unidade e a liberdade da Igreja. Teve um zelo especial pelos cristãos da diáspora. Com o coração missionário, colocou-se no lugar deles para sentir com eles a falta de orientação. Para ajudá-los fundou uma associação – a “Liga São Bonifácio” – com o objetivo de fazer com que os cristãos das comunidades católicas se envolvessem e ajudassem os católicos na diáspora, que viviam espalhados entre os evangélicos e não tinham a força e a ajuda de uma comunidade. Outra ideia dele era formar associações de sacerdotes que, “vivendo juntos numa casa, visitassem os católicos dispersos pela região e os reunissem em comunidades”.
O coração de Eduardo se assemelhava ao Coração de Jesus Cristo. “Em meio a todo o volume de tarefas e do empenho por tantas causas, Eduardo sabia achar tempo para seus inúmeros penitentes e só Deus sabe quanto o confessionário foi local privilegiado, onde consolava as pessoas e os encaminhava a uma vida interior mais profunda”. Um amigo sacerdote escreveu certa ocasião: “Eduardo sabia, como poucos, aliar, em alto grau, bondade e firmeza, o que todos os que tinham contato com ele admiravam”. Graças ao dom de liderança e à sua influência junto ao Bispo, mas, sobretudo, levado pelo seu zelo pastoral, Eduardo conseguiu concretizar várias das suas iniciativas em prol do revigoramento da vida de fé entre o povo.
“Nas férias escolares, Eduardo gostava de acompanhar seu Bispo nas viagens pelo interior do País para as crismas. Assim se tornou conhecido também entre a população do campo, que via nele um sacerdote piedoso, um santo, diziam. Também seus diários falam do seu amor ao trabalho pastoral no meio do povo”. O púlpito era para ele uma cátedra de onde anunciava com força a Palavra de Deus a todo o povo.
Sua devoção a Maria fez com que Eduardo, juntamente com seu Bispo se empenhasse pelo revigoramento das romarias, uma prática muito apreciada pelo povo.
Eduardo aconselha seus colegas padres de turma da Teologia: “Que nada se interponha entre nós e Deus, em nossa oração”. “Nada existe no mundo sem Ele, sem Ele tudo é vazio, tudo é vaidade, por isso devo me unir a Ele, amar somente a Ele, deixar Cristo viver em mim!”
Esta entrega pela causa do Reino e da Igreja, também se faz perceber em sua expressão no seu Diário: “Faze-me, em verdade, trabalhar pela Igreja e por ela sofrer e não permitas que eu procure a mim mesmo ou vantagem própria”.
Eduardo, prisioneiro pela causa do Reino
O zelo pela causa de Cristo, seu amor pela Igreja, sua fidelidade no seu ministério pastoral e sua obediência para com o seu Arcebispo, levam Eduardo, injustamente, à dureza da vida privada de tudo e de todos, na prisão, por 3 anos e meio.
Eram diversas as causas de conflito entre o Arcebispo, autoridade máxima da Igreja Católica de Colônia e o Governador do Estado alemão, protestante luterano, conflito esse que envolvia também Eduardo devido à sua atividade. Uma das mais explosivas polêmicas era a divergência entre a Igreja e o Estado no que se refere aos casamentos mistos. Na Prússia vigorava uma lei que determinava que todos os filhos de casamentos mistos deveriam ser educados na religião do pai. Aos sacerdotes era vedado fazer qualquer exigência aos noivos a respeito da educação confessional dos filhos. A Cúria romana tomara uma posição que o governo não deixara publicar. O Arcebispo manteve-se firme nas orientações de Roma, o que provocou um inevitável conflito.
Por esse tempo, a população católica estava entusiasmada preparando o Jubileu de 1.600 anos da padroeira da cidade, Santa Úrsula. O Secretário do Arcebispo, Eduardo Michelis, participou ativamente e empolgado desses preparativos da Festa, que durou uma semana, de 21 a 29 de outubro 1837. Este evento reuniu milhares de católicos, também das cidades vizinhas. Os jornais deram elogiosa cobertura, de maneira que cresceu consideravelmente o prestígio da Igreja e do Arcebispo. Enquanto a popularidade do Arcebispo crescia, a preocupação do governo aumentava. Veio do Governo a ordem que o Arcebispo renunciasse às suas funções em Colônia. Este respondeu nos termos: “Em todos os assuntos civis sou obediente a Sua Majestade, como convém a um súdito fiel, mas não posso deixar de fazer uso do meu direito à liberdade de consciência e de preservar os direitos da Igreja Católica e exercer livremente a autoridade eclesial”. A situação se agravava. E, no dia 20 de novembro de 1837, numa total surpresa, veio à ordem de prisão dos dois. Eduardo descreve este momento: “Quando o relógio bateu 18:00hs, e tudo estava imerso na escuridão, as ruas conduzindo ao palácio foram de repente fechadas por militares. O Arcebispo encontrava-se no gabinete de trabalho; somente seu secretário estava com ele. Na casa não se ouvia nenhum ruído. Repentinamente a porta do gabinete foi aberta com violência e quatro homens se precipitaram para dentro, cercando o Arcebispo. Eram o presidente Bodelschwingh, uniformizado, com espada na cintura, e três altos funcionários do governo”. Foram apresentadas ao Arcebispo duas opções: retirar-se voluntariamente para Münster ou ser levado à força para Minden. O Arcebispo, chocado e tremendo, respondeu apenas: “O bom pastor não abandona o seu rebanho”. Perguntado se queria um acompanhante, o Arcebispo respondeu: “Só o meu secretário e capelão”. A resposta foi: ‘Isto lhe será concedido!’. O Arcebispo não suspeitou de que Michelis ficaria separado dele. O carro que levou o Arcebispo seguiu rumo a Minden pela direita do rio Reno, enquanto que Michelis foi levado pela margem esquerda do Reno.
Eduardo Michelis, não viu mais seu Arcebispo, nem em Minden, nem em lugar ou tempo algum de sua vida. Foi uma separação definitiva.
Em Minden, Eduardo pode receber visitas de pessoas conhecidas e amigos. Após uma semana de prisão, tornou-se claro para o poder público que não seria conveniente deixar Michelis por muito tempo na mesma cidade de seu Arcebispo. Pois, os visitantes poderiam mediar recados entre os dois presos. Isto tornaria o caso sempre mais conhecido em Colônia, e poderia levantar “mais poeira”, o que tornaria a situação perigosa.
Em 31 de dezembro, um mês e 10 dias após sua chegada em Minden, Eduardo foi transferido para Magdeburgo, longe da região Renânia. Lá dificilmente receberia visitas. Foi o que aconteceu.
Nenhuma visita lhe foi concedida, nem mesmo de sua mãe. Sentia-se só e isolado de todos. Este isolamento o fez sofrer muito. Cortado radicalmente do convívio de seus numerosos amigos, da livre comunicação com eles ao menos por correspondência, o que também lhe era interdito, encontrava só em Deus amparo e força. Seu Diário comprova esse sofrimento: “Hoje estive na igreja. Oh, como eleva essa comunidade fraterna em Cristo! Como me fez bem ouvir de novo uma homilia, já que aqui nada ouço senão a voz do carcereiro, o comando dos soldados e o tinir das correntes”!
Eduardo ocupava-se, o dia inteiro, com exercícios de piedade, com estudo de línguas e trabalhos de teologia e exegese. Estudou as cartas de São Paulo e meditava, diariamente, a Palavra do Evangelho. Hauria sua força, paz, conforto e alegria dessa constante ocupação com o sobrenatural. O que mais lhe causava dor e sofrimento era a impossibilidade de celebrar a Eucaristia. Seu amor pela Igreja também o fazia sofrer.
Após dois anos, no “tabernáculo” de Magdeburgo, como ele designava a sua prisão, Eduardo percebeu um movimento diferente entre os ministros e o rei; eles tentaram ver as razões de sua prisão. Não encontrando motivos merecedores de condenação, a não ser a influência que ele teve e poderia ter adiante sobre o seu Arcebispo, os ministros procuraram propor a ele uma liberdade relativa, não podendo, no entanto, voltar para sua terra, Münster. Eduardo, ele mesmo, escreveu ao rei e, ministros, deixando clara a sua posição de liberdade que lhe foi impedida sem razões e causas e expresso, seu grande desejo e dever de voltar com a mãe e o irmãos que dele estavam precisando. Esta declaração de Eduardo não foi aceita. As autoridades decidiram, sim, transferi-lo para Erfurt com mais possibilidades quanto à sua vivência externa e também de estudos.
A transferência para Erfurt se deu em 1º de abril de 1840. Este é o seu “terceiro tabernáculo”, que vai durar mais um ano inteiro. Sua saúde, já debilitada, se agrava sempre mais.
Apesar de inocente, Eduardo não se rebela, não alimenta revolta ou raiva. Sereno, aguenta as privações e a dureza da vida na prisão como Cristo no alto da Cruz.
Fundação da Congregação das Irmãs da Divina Providência
Marcado profundamente pela Providência de Deus, Eduardo reconheceu no abandono social das crianças e jovens um apelo de Deus e respondeu com uma atitude de amor cristão.
Eduardo sofreu injustamente ao longo dos anos de prisão, mas também fez uma profunda e existencial experiência com Deus Providência. Essa experiência sustentou a sua vida e lhe ajudou a fazer da sua cela um tabernáculo, um lugar onde podia encontrar profundamente Deus presente na dor do cárcere alimentando a confiança e a esperança de que um dia iria viver em liberdade novamente. Em todos os momentos a graça de Deus manteve o jovem idealista esperançoso e desejoso de realizar seus sonhos. Os desejos e sonhos de uma Igreja missionária e de uma sociedade mais humana, justa e digna para todos os filhos e filhas de Deus.
Quando encontrou a liberdade, em 21 de abril de 1841 foi acolhido com muita alegria pela família, amigos e conhecidos e pode respirar o ar das ruas de Munster com um novo olhar. As pessoas esperavam que fosse partilhar o sofrimento vivido, mas não, ele ofertou tudo a Deus.
Eduardo voltou com um olhar atento e sensível às realidades da época. Impressionado pela miséria social de crianças e jovens, pelo desamparo físico e intelectual e pelas necessidades morais e espirituais das crianças e dos órfãos das camadas populares mais pobres da cidade de Münster (Alemanha), reconheceu, à luz de sua profunda fé na Divina Providência, um grande apelo de Deus.
Eduardo reconheceu nas crianças e adolescentes a sua própria experiência de abandono e injustiça. A escola da vida o encarregou de viver grandes alegria e sofrimentos solidificando sua fé, sua personalidade e seus ideais, deixando sua marca registrada na defesa da vida ameaçada.
Eduardo partilhou este apelo com seus amigos, encontrou apoio por parte de algumas pessoas e desanimo por parte de outras. Mas, o apelo de Deus falou mais alto e como em Munster não existia uma Congregação Religiosa que pudesse assumir a missão de cuidar desta realidade social ele teve a coragem de responder a esse apelo com uma atitude de amor cristão, fundando, em 1842, o orfanato para crianças pobres em St. Mauritz e a Congregação das Irmãs da Divina Providência.
Para a fundação faltavam todos os recursos. Faltava especialmente espaço, recursos materiais e também jovens mulheres que assumissem a causa. Bateram na porta de pessoas ricas e humildes. Eduardo não desanimava, pelo contrário, confiava firmemente na Providência de Deus. E a ajuda começou a vir de todos os lados. Duas jovens professoras e outras duas jovens também se encantaram pela causa assumindo-a com amor e empenho. Eduardo também tinha consciência de que as Irmãs da novel Comunidade deveriam viver com um amor profundo a consagração que ainda iriam assumir com a capacidade de fazer outras pessoas felizes, especialmente às crianças órfãs.
E assim a pequena semente foi lançada e confiada aos cuidados da Providência de Deus.
- A semente foi lançada…. Eduardo confia obra nas mãos da Providência de Deus.
“Faço o que estiver ao meu alcance e Deus não me abandonará”.
“A originalidade de seu ser e sua influência espiritual é que marcaram, mais que quaisquer palavras, as atitudes e a vida das primeiras Irmãs e deram à Congregação a sua forma interior”.
Após Fundar a Congregação, dedicou-se de corpo e alma à mesma para dar solidez interior. Juntamente com esta dedicação, deu também atenção e busca feliz na concretização de seu sonho. No entanto, sua saída da prisão dava-lhe apenas uma liberdade relativa; continuava sendo vigiado e controlado pela polícia e estava impedido de lecionar numa universidade em Munster. Eduardo, além do seu crescimento e comunhão com Deus, adquiriu muitos conhecimentos teóricos no tempo de prisão e alimentava um grande desejo de colocá-los a serviço como professor. Tinha um dom especial voltado para a Educação e desejava ser um formador na área teológica e religiosa. Após seu doutorado em Teologia, em março de 1844, Eduardo Michelis, a convite do Bispo João Teodoro Laurent, foi morar em Luxemburgo, tornando-se lá professor de “Dogmática” no recém-inaugurado Seminário Diocesano.
Eram, então, apenas três anos de Fundação. Eduardo confiou à obra às mãos de Deus Providência com uma decisão extremamente livre e desapegada e seguiu seu caminho. Para as Irmãs a despedida de Eduardo foi muito difícil. Uma crônica antiga fala da sua importância como presença junto à novel Fundação: “A originalidade de seu ser e sua influência espiritual marcaram, mais que quaisquer palavras, as atitudes e a vida das primeiras Irmãs e deram à Congregação a sua forma interior”.
Eduardo, antes de partir, deixou muitas coisas organizadas: nomeou, como Diretora do Orfanato, Irmã Elisabeth Sarkamp, escreveu as Primeiras Regras para as Irmãs, cuidou de orientação segura nesse início da história da Congregação: encarregou seu amigo Francisco Spiegel para ser o Orientador Espiritual da mesma e um grupo de amigos sacerdotes que apoiariam a obra pela oração, aconselhamento e ajuda na formação. Uma vez por ano o querido Fundador voltava para rever as Irmãs, a obra e para orientar o seu Retiro Espiritual.
Eduardo realmente teve a firme confiança de que a Providência conduziria a obra com amor e carinho; ele mesmo carregou a Congregação em seu generoso coração e a teve presente em sua oração todos os dias. Em seu diário ele expressa: “Até aqui a obra se desenvolveu. Aquele que lhe deu o início, queira dar-lhe também o crescimento”. Deus reservou para Eduardo a missão de colocar a semente da obra, a outras pessoas cabe a missão de adubar, regar, cuidar e colher os frutos. Esta missão continua ainda hoje.
No dia 3 de novembro de 1867, no Jubileu de 25 anos de vida e missão da Congregação, realizou-se uma solene celebração em forma de gratidão à ação da Providência. Na homilia, seu amigo Francisco Spiegel assim se expressa: “Se Eduardo Michelis pudesse estar aqui nesse ambiente festivo, diante de Jesus, o Salvador, ele mal poderia falar, mas seu coração se elevaria ao céu, cheio de gratidão, dizendo: É Obra do Senhor” Ele não se daria a si a honra, mas diria humildemente: Louvado seja Jesus Cristo!”
As atitudes de Eduardo são um testemunho de vida a ser seguido.
Eduardo Michelis carregava em seu coração uma mística profunda. Sua experiência de Deus se expressa no seu viver despretensioso, porém comprometido com a causa de Cristo e sua Igreja: “Eu sei que nada mais busquei além Dele e sua Igreja”.
A vida coerente, íntegra, fiel, de uma pureza translúcida e de uma profunda união com Deus fez de Eduardo um SINAL DA PROVIDÊNCIA DE DEUS!
Sozinho, ele se reconhecia fraco e insuficiente. Procurava colocar suas habilidades na soma de dons de cada pessoa. Juntos constituem força uns para os outros e para todos. Assim se expressa certa ocasião: “A pessoa sozinha dobra-se facilmente como um caniço ao vento. Ligada a muitos, aproveita-se da força de cada um, de cada uma. Este trabalho conjunto traz à Igreja uma força irresistível”. Em toda a sua trajetória de vida este testemunho é eloquente.
Seu grande amor pela Eucaristia fazia de Eduardo um grande adorador. “Sem a Eucaristia eu não poderia viver!” Um dos grandes sofrimentos, na prisão, era ser privado de celebrar a Santa Missa e de receber a Eucaristia.
Pensar em Eduardo não é possível sem pensar em Maria na sua vida. A Mãe o acompanhava desde menino e jovem. Ele expressa sua devoção em suas poesias, nas visitas às igrejas e santuários para fazer sua prece de filho à Mãe, nas romarias que ele mesmo fazia e promovia.
Eduardo defendia fortemente o direito e a justiça. Esta coragem profética o fez lutar e sofrer a ponto de passar três anos e meio retido em prisão. Fundou, junto com um grupo de amigos, o Jornal “Voz de Luxemburgo pela Verdade e o Direito” com o objetivo de defender a verdade e o direito.
“O mundo necessita de nós por inteiro” – Para Eduardo Michelis valia o que São Paulo dizia: “tornar-e tudo para todos a fim de ganhar a todos”.
O mesmo espírito ele deixa claro para as Irmãs da Divina Providência quando escreve nas primeiras regras: “As Irmãs façam todos os seus exercícios espirituais pela maior glória de Deus e pelo bem do próximo”.
Eduardo Michelis pautava sua vida numa profunda confiança na Divina Providência. Esta se torna evidente em toda a sua vida, vivida com muita unção no empenho pela unidade, na solidariedade para com aqueles que sofriam necessidades, na luta pela justiça e o direito, nos esforços empenhados por uma Igreja de cristãos em comunidades vivas e felizes, nos esforços e empreendimentos por vida digna para todos. Palavras suas são expressão desta sua confiança:
“Aconteça o que acontecer, estou nas mãos de Deus e nEle confio!”
“Tudo o que estiver ao meu alcance farei e Deus não me abandonará!”
“Sei que por mim mesmo nada posso, eu temeria o pior! Deus é minha força, nele espero”!
“Onde Deus encontra um recipiente vazio, Ele o enche com seus preciosos dons”.
ORAÇÃO DE EDUARDO MICHELIS AO ESPÍRITO SANTO
Vem, Espírito Santo, renova a face da terra!
Vem morar em nossos corações.
Acende em nós o fogo do Teu amor!
Ensina-nos a rezar.
Ajuda-nos em nossas fraquezas!
Consola-nos com Tua presença.
Dá-nos um coração puro e transparente.
Fica conosco em todos os perigos.
Guia-nos pelos caminhos de Deus.
Mostra-nos por onde somos enviados.
Fortalece nosso zelo pelo reino de Deus.
Une os cristãos.
Santifica a Igreja.
Desce também sobre mim, ó Espírito Santo, e faze de mim uma nova criatura.
Renova em mim o primeiro amor.
Aumenta meu zelo e a minha alegria.
Faze-me desejar em verdade, trabalhar e sofrer pela Igreja
e não permitas que eu ainda procure a mim mesmo ou vantagens próprias.
Quisera que toda força do meu corpo e da minha alma,
cada movimento de meus pés e mãos,
cada respiração fosse por Teu amor e Te fosse consagrado.
Amém!
O recado de Eduardo Michelis às Irmãs da Divina Providência
expresso nas regras que deixou:
“As Irmãs da Divina Providência sejam simples, alegres, confiantes e acolhedoras
e considerem como o mais importante de seus exercícios de piedade
o trabalho para a glória de Deus e o bem do próximo”.
Testemunhem o amor de Deus e a esperança cristã para as pessoas!
Se hoje Eduardo estivesse entre nós ele diria às Irmãs da Divina Providência: vivam e testemunhem a todos a ternura de Deus; com muito amor cuidem da vida; em especial, tenham um coração terno para as crianças e os jovens; sejam profetas, anunciando a Alegria do Evangelho e denunciando tudo que machuca e ofende a vida.
Compilado por Ir. Roseldis Terezinha Kuhn e Ir. Daiane Aline Ertel
FONTES
- Constituições das Irmãs da Divina Providência – de 1984
- Eduardo Michelis – Presbítero – de Irmã Clea Fuck – 2005
- Diário de Eduardo Michelis
- Eduardo Michelis, o Educador – de Ir. Cléofa Hoepers – 2002
- Jesus Cristo em nós – espaço e vida – Trabalho elaborado por Ir. Ämiliana Schlieper, Ir. Bonaventura Stening, Ir. Canísia Weischer, Ir. Henrica Jans em colaboração com todas as Irmãs da Divina Providência